Dirigimos atenção para certos aspectos da comunicação de massa - aqueles que pertencem à mercantilização das formas simbólicas pelas indústrias da mídia - e, mesmo dentro desse enfoque restrito, analisamos os processos de desenvolvimento de uma maneira bastante abstrata, sublinhando características gerais, como a padronização, a repetição e a pseudopersonalização, mas deixando de examinar, em detalhe, a organização social e as práticas cotidianas das indústrias da mídia, ou as diferenças entre um ramo da mídia e outro.
"O enfoque é tão fortemente condicionado pelos temas tradicionais da racionalização, mercantilização e reificação, que eles [Horkheimer e Adorno] não conseguem fazer justiça àquilo que é novo e distintivo no referente ao desenvolvimento da comunicação de massa, e, por isso, no referente à midiação da cultura moderna. Horkheimer e Adorno procuram aplicar à comunicação de massa a lógica do desenvolvimento que tinha já invadido outras esferas da sociedade moderna, mas, ao fazer isso, esquecem aquelas características da comunicação de massa que são distintivas e sem precedentes, e que conferem às instituições da comunicação de massa nas sociedades um papel singular e bi-facial.
O tema da concepção de Horkheimer e Adorno de sociedades modernas (e da conseqüente noção da atrofia do indivíduo) é também discutido por John B. Thompson. Os criadores do conceito de indústria cultural teriam exagerado o caráter integrado e unificador das sociedades modernas: embora seja certamente verdade que as sociedades modernas estão interligadas de muitas maneiras e em diversos níveis, tanto nacional como internacionalmente, é também verdade que existe um alto grau de diversidade, desorganização, dissensão e resistência e provavelmente isso continuará a existir dentro delas.
Confrontados como estavam pela persistência de uma ordem social que satisfaz a alguns mas deixa a grande maioria insatisfeita, Horkheimer e Adorno tenderam a concluir, de maneira errônea e prematura, penso eu, que as fontes da instabilidade social tinham sido postas sob controle e que todas as vozes de um dissenso sério tinham sido abaladas.
A segunda limitação apontada pelo sociólogo estaria na explicação dada pelos teóricos da indústria cultural do declínio do indivíduo. Do mesmo modo como teriam projetado uma imagem consensual generalizada das sociedades modernas, Adorno e Horkheimer também teriam forjado uma concepção fortemente integrada do indivíduo moderno:
É provável que imagens estereotipadas e padrões repetitivos dos produtos culturais contribuam, até certo ponto, para a socialização dos indivíduos e para a formação de sua identidade. Mas também é provável que os indivíduos nunca são totalmente moldados por esses e por outros processos de socialização, e que eles são capazes de manter ao menos certa distância, tanto intelectual como emocionalmente, das formas simbólicas que são construídas deles, para eles, e ao seu redor. (...) Pressupor, como fazem Horkheimer e Adorno, que a recepção e consumo de produtos culturais não são mais que pregos no féretro do indivíduo, que ele está praticamente condenado a um enterro simples devido às tendências desenvolvidas nas sociedades modernas, é exagerar o grau em que a individualidade é esmagada pela indústria cultural (entre outras coisas), e simplificar por demais os processos implicados na recepção e apropriação dos produtos dessas indústrias.
Na contemporaneidade, porém, Thompson julga possível "descobrir outras razões mais sérias para duvidar da visão social e política inerente ao projeto inicial da teoria crítica". Falando de maneira mais geral, podemos duvidar se o marco referencial teórico dentro do qual eles tentaram sua análise das sociedades modernas era adequado para a tarefa. Podemos suspeitar que a ênfase no capitalismo industrial como a característica constitutiva essencial das sociedades modernas fora um exagero que levou ao obscurecimento do significado de outros processos de desenvolvimento e de outras causas que originam a dominação e desigualdade.
Mas, se dúvidas e reservas são apontadas pelo sociólogo como razões suficientes para desconsiderar muita coisa do projeto original da teoria crítica, elas não obrigariam a abandonar a tarefa na qual os primeiros teóricos críticos estavam interessados: a análise das trajetórias de desenvolvimento específico das sociedades modernas, a reflexão sobre as limitações dessas sociedades e sobre as oportunidades possíveis de seu desenvolvimento.
Thompson manifesta um débito para com o projeto da teoria crítica, mesmo esclarecendo que tenha procurado, sob outros aspectos, distanciar-se dele: Sejam quais forem as limitações da obra dos teóricos críticos, eles estavam corretos, no meu ponto de vista, ao enfatizar a importância persistente da dominação no mundo moderno; estavam certos ao realçar que os indivíduos são agentes auto-reflexivos que podem aprofundar a compreensão de si mesmos e de outros e que podem, a partir desta compreensão, agir para mudar as condições de suas vidas; e estavam corretos ao considerar a análise crítica da ideologia como uma fase na relação dinâmica entre dominação e ação, entre o estabelecimento e reprodução das formas de dominação, de um lado, e o processo de auto-reflexão crítica que pode capacitar os indivíduos a questionar essas formas, de outro.
Estas são ênfases e perspectivas que se perderam em alguns dos últimos debates na teoria social e política. Alguns teóricos recentes começaram a preocupar-se tanto com a diversidade e diferença, com a variedade crescente e variabilidade das formas de vida, que eles não conseguiram dar, suficientemente, conta do fato de nas circunstâncias presentes das sociedades modernas diversidade e diferença estão, geralmente, inseridas nas relações sociais que estão estruturadas em maneiras sistematicamente assimétricas. Não podemos nos cegar pelo espetáculo da diversidade a tal ponto que sejamos incapazes de ver as desigualdades estruturadas da vida social.
No enfoque aqui desenvolvido, a análise crítica da ideologia retém seu valor como parte de uma preocupação mais abrangente com a natureza da dominação no mundo moderno, com os modos de sua reprodução e as possibilidades de sua transformação. Isto não significa que o conjunto de problemas ligados à análise da ideologia e da dominação sejam os únicos dignos de preocupação da teoria crítica hoje - não há necessidade de adotar-se um enfoque tão restritivo. Mas sugerir que nós podemos, agora, deixar estes problemas para trás, tratá-los como um resíduo do pensamento do século XIX que não tem mais vez no mundo moderno (ou "pós moderno") seria, decididamente, prematuro.
A atualidade da teoria crítica é igualmente abordada por Lucia Santaella (2001). Ela aponta, por exemplo, a extensa obra do filósofo alemão Jürgen Habermas como herdeira de uma corrente de pensamento que permite seu alinhamento à tradição estabelecida Adorno e Horkheimer. A pesquisadora explica que, para Habermas, com "o desenvolvimento das leis de mercado e com sua intrusão na esfera da produção cultural, dá-se o declínio do espaço público", caracterizado como "mediador entre Estado e sociedade".
Na sociedade de mercado, esse espaço "passaria a ser substituído por formas de comunicação cada vez mais inspiradas em modelos comerciais de fabricação de opiniões" . Habermas teria buscado "uma alternativa para a degenerescência política do Estado na restauração das formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade"; daí a ênfase na comunicação como uma tônica da sua obra no horizonte da teoria crítica, cuja tradição teria sustentado "sua crítica ao tomar como base uma teoria geral da sociedade, a saber, a dialética da economia política fundada no materialismo marxista", também despontaria recentemente a obra do filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek: mesmo sem trabalhar diretamente com a teoria da comunicação, sua prática de uma sociologia interpretativa de fenômenos estéticos, culturais e midiáticos, que toma como base a psicanálise lacaniana, tem fornecido elementos para aqueles que desejam prosseguir nos caminhos de uma teoria crítica".
Fonte:http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos.
Texto de Carlos Moreno.
Texto de Carlos Moreno.
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